Keywords: Fotografia vernacular; Exílio; Memória; Ditadura Civil-Militar; História oral
Participation: presential
Durante a Ditadura Civil-Militar brasileira (1964-1985), centenas de cidadãos refugiaram-se em Portugal na condição de exilados. O período de maior intensidade migratória, nesse contexto, ocorreu entre a Revolução dos Cravos (1974), em Portugal e o decreto da Lei de Anistia (1979), no Brasil. Esta proposta de comunicação explora memórias desse período, em Lisboa, por meio de fotografias produzidas por cinco interlocutores que estiveram nessa situação. Objetiva-se, assim, depurar o potencial mnemônico e político das imagens ao encontrar em suas (contra)narrativas dinâmicas visuais que fazem emergir fragmentos de (micro) história(s) do exílio. Assim, são acrescentadas camadas de complexidade na historiografia oficial através do confronto com as fotografias e o uso da história oral.
Além de uma violenta cronofagia (Mbembe, 2002) praticada pelo Estado, a falta de uma cultura da memória e, consequentemente, de uma política da memória legou ao país não somente uma falha na narrativa histórica, mas também uma perigosa lacuna política, e uma privatização do trauma (Seligmann-Silva, 2014). Nesse sentido, a fotografia vernacular é fundamental para a construção de uma cultura coletiva, ganhando, portanto, uma dimensão documental, (contra)arquivística, e o status de artefato antropológico (Enwezor, 2008). A fotografia vernacular – reprimida na história canônica da arte e da fotografia – dentro desse contexto, é apresentada a partir de um posicionamento deliberadamente político: é precisamente na parte isolada e banida de seu aspecto cindido onde se deve procurar os rastros de um tempo. Elizabeth Edwards (2002) concebe a imagem fotográfica como um locus de performances da história devido à sua natureza contingente, incontrolável, incompleta e incerta. Sugerimos que é aqui também onde se encontra seu potencial político.
Quatro dos cinco interlocutores apresentados fizeram parte da guerrilha armada no Brasil e foram considerados terroristas – por isso, torturados e banidos pelo Estado. Uma, exilou-se com a família devido a ameaças ao marido. As fotografias, entretanto, falham ao mostrar o sofrimento; pelo contrário, mostram uma vida outra, uma abertura proporcionada pelo exílio.
Levantam questões acerca das subjetividades criadas no exílio: questões sexuais e de gênero, por exemplo. As fotografias analisadas fazem parte de uma cultura material que pertence, antes de tudo, à memória: reservam alguma dimensão de intimidade com o passado. São testemunhos de sonhos, desejos, anseios e temores que transbordam seu contexto específico; são afinal testemunhos do invisível: daquilo que precisa ser escavado e depurado dentro da sua própria visualidade. Assim, na tríade memória-história-imagem, a memória e a imagem salvam a história de sua fossilização: constroem uma história não estéril. Uma história fecunda daqueles afetos. Essas imagens clamam por um olhar ético: convocam uma ética da memória (Cadava, 2007), pois evocam espectros de um tempo cuja responsabilidade recai sobre o presente.
Cadava, E. (2007). Lectura de la mano: la muerte en las manos de
Fazal Sheikh. Acta Poetica, 28 (1-2), 13-47.
Edwards, E. (2001). Raw histories: Photographs, Anthropology and
Museums. Oxford: Berg Publishers.
Enwezor, O. (2008). Archive Fever: Photography between History and
the Monument. In: Okwui, E. (Org.) Archive fever: uses of the
document in contemporary art. Gottingen: Steidl, Thames &
Hudson.
Mbembe, A. (2002). The power of the archive and its limits. In: C.
Hamilton, V. Harris, J. Taylor et al. (Eds.) Refiguring the
archive. Dordrecht: Kluwer Academic Publishers.
Seligmann-Silva, M. (2014). Imagens precárias: inscrições tênues
de violência ditatorial no Brasil. Estudos de literatura
brasileira contemporânea, 43, 13-34.
Isabel Stein é doutoranda e bolseira FCT no programa de Estudos Artísticos - Arte e Mediações da Universidade Nova de Lisboa, onde desenvolve a investigação Figurações da distância: Espectros fotográficos do exílio brasileiro em Portugal (1974- 1979). É mestre em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro com a dissertação intitulada Foto-ícones: Da encarnação do páthos à performance social, financiada pela instituição CAPES; e licenciada em Comunicação Social pela mesma universidade. Tem participado em conferências internacionais sobre fotografia e imagem e publicado artigos científicos sobre estes temas. No plano artístico e cultural, é membro-fundadora do coletivo artístico InterStruct Collective, alocado na cidade do Porto (Portugal), pelo qual participou enquanto curadora e expositora na exibição coletiva Unearthing Memories (2019), e recentemente colaborou com a publicação Alter-Scapes: The practice of controversy da Porto Design Biennale 2021, entre outros projetos.