O dispositivo obsceno: estratégias do olhar colonial

José Pedro Baptista


Keywords: obsceno; pornografia; discursividade; dispositivo; cultura visual

Participation: presential

Pretendemos problematizar o obsceno como instrumento de análise e crítica cultural especialmente relevante quando aplicado a um conjunto de cerca de dez fichas produzidas no âmbito das expedições geográficas e antropológicas realizadas à então colónia portuguesa de Angola, entre os anos de 1948 e 1955, e que veiculam a sua cultura visual.

É expectável que, do confronto visual com estas fichas, poucas pessoas saiam ilesas, a maior parte deixando-se afectar, ofendendo-se ou escandalizando-se: estamos no campo do obsceno. A aferição da obscenidade de um objecto, ou da sua representação, constitui uma operação que, precisamente por parecer natural, e até certo ponto louvável, não é tendencialmente questionada. Ora, se as coisas em si não são obscenas, o sentimento de que algo é obsceno é devedor de uma obscenização do olhar, resultante de uma estratégia, histórica e cultural, organizadora da experiência humana e sobre a qual importa reflectir. Reconhecemos, no tipo de relação entre discursividades que resulta na permissão que uma coisa seja recortada como obscena, um dispositivo obsceno cuja operatividade, brotando de uma permanente negociação entre o público e o privado, dificilmente se esgotará quer numa recepção contemporânea consensualmente ultrajada quer como ferramenta de domínio colonial, podendo até ser reivindicada por uma lógica emancipadora dessas imagens.

De modo a considerarmos em que medida estas fichas ginecológicas participam no dispositivo do obsceno, importa identificar os meios pelos quais o seu horizonte de sentido é produzido. Para tal, atentaremos à articulação de alguns dos seus componentes, nomeadamente, os principais eixos epistemológicos que informam as discursividades - médica, antropológica e académica - que as produziram com os regimes de visibilidade - estéticos, técnico-científicos e morais - que as vão percorrendo.

Esperamos, através da análise das estruturas simbólicas que se concretizam numa obscenização destas fichas com vista ao estabelecimento de uma normatividade, dar conta de alguns dos deslocamentos semânticos e históricos do obsceno e, desse modo, contribuir para uma actualização das inquietações causadas pela categoria ao estatuto do visível, melhor lida num quadro moral que singulariza e determina os modos aceitáveis e inaceitáveis de ser através da gestão da sua representação.


References


Crou, Olivier. (2009). Le webdocumentaire, une nouvelle opportunité d'appréhender le monde. In: ESIEE, Paris.
França, Lilian Cristina Monteiro. (2020). Webdocumentários e Narrativas em paralaxe. Aracaju-SE: Editora Criação.
Mbembe, Achille. (2001). On the postcolony. Berkeley-CA: University of California Press.
Penafria, Manuela. (2013). “Webdocumentário – Interatividade, Abordagem e Navegação”. In: Fidalgo, Manuel e Canavilhas, João. Comunicação Digital – 10 Anos de Investigação. Lisboa, Portugal, Editora Minerva/Labcom.
Quijano, Aníbal (2000). Coloniality of Power, Eurocentrism, and Latin America. Views from South: 544.
Spivak, G. C. (2010). Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora UFMG.


Bio


José Pedro Baptista começou por estudar Biologia na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, dedicando-se também ao teatro no C.E.M. Formou-se na London College of Communication - UAL, onde abordou Os problemas de adaptar um livro para cinema, comparando 3 adaptações da obra Macbeth para cinema. Colaborou com o Lisbon & Estoril Film Festival na área de programação e coordenação do catálogo do festival. Trabalhou em cinema e em publicidade como realizador, assistente de realização, produtor e assistente de produção. É Mestre em Ciências da Comunicação (2010, FCSH - UNL), com a tese O tédio enquanto configuração contemporânea. Bolseiro de doutoramento pela FCT desde 2019, integrado no ICNOVA – Instituto de Comunicação da Nova e fazendo parte do projecto de Investigação Photo Impulse: medindo as colónias e os corpos colonizados, encontra-se neste momento a desenvolver o seu projeto de tese O obsceno: a representação de um lugar impossível.


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