Keywords: imagem; arquivo; montagem; história; representação
Participation: on-line
Partindo do princípio de que a apropriação de documentos fotográficos e arquivos audiovisuais provoca um acalorado debate em torno da autoridade das imagens na interpretação de narrativas passadas, buscamos investigar o tensionamento das imagens técnicas para uma criação ética. Deste modo, analisaremos as relações possíveis entre um método de pensamento que confronte a montagem com a História, de modo a revelar algumas das contradições internas que se escondem nessas imagens, e compreender os procedimentos que evidenciariam os limites de seus usos enquanto índices de nossa memória.
Neste contexto, o período do Estado Novo brasileiro (1937 a 1945) é um período rico para análises e interpretações tanto do projeto político, como do projeto estético de nação elaborado por Vargas e levado à cabo pelo ministro Gustavo Capanema (Saúde e Educação), e Lourival Fonte, chefe do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão da burocracia estadonovista que expõe melhor que nenhum outro as aproximações entre o varguismo com os regimes nazifascistas europeus. Todo caso, lembramos que este é um período rico para análises e interpretações deste intrincado projeto político/estético elaborado por Vargas e sustentado por uma série de intelectuais canônicos para a cultura brasileira. Além disso, semelhante ao nosso presente, esse período abarcou discussões muito fortes sobre a o controle do Estado sobre a política e a economia, em antagonismo ao liberalismo político-econômico. Viria daí o apelido “Novo”, inspirado no salazarismo português, a se apresentar como um processo inevitável, um rolo compressor frente ao curso dos acontecimentos.
Tendo isso em vista, propomos uma re-apresentação deste período elaborado a partir da reapropriação de imagens e sons de sua propaganda oficial. O compromisso em produzir relações entre recursos arquivísticos e a articulação de sentidos não originários teria como finalidade a condução de uma reflexão crítica sobre a relação direta deste passado com nosso presente. Porém, mais do que explanar as óbvias arbitrariedades do governo de Vargas no que se refere à política, à cultural e à identidade nacional, nosso objetivo é expor a relação íntima entre a construção de um ideal estético que se empenhou na sustentação deste Estado ansioso por um futuro que viesse à luz ainda no presente. Esse anacronismo será trabalhado dando atenção à construção da imagem de uma nação em vias de desenvolvimento, onde podemos destacar como contradição fundamental desses registros, a sistemática representação da imagem do trabalhador enquanto figura “ideal”, portanto, despersonificada. Anônimos, personagens de um Brasil “embranquecido”, presentes como significação do trabalho enquanto grandeza abstrata e imperativa. Seus enquadramentos soberbos favoreceram a abstração da técnica, das ferramentas e construções, de onde emergiria um ideal excludente onde toda “ação” prevaleceu em detrimento do elemento humano, onde os valores de força e produção simbolizam a corrida de um país que em busca de seu futuro, deixou seu povo para trás.
Acreditamos que essas imagens necessitam ser desmontadas de seu ambiente originário, para que sejam abertas novas percepções, e a partir de seu reagrupamento, seja possível elaborar novos testemunhos sobre o passado e dirigir um olhar mais assertivo sobre o presente.
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Sayd Mansur - Doutorando em Comunicação e Cultura pela ECO/UFRJ, mestre em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense (2016), graduação em Estudos de Mídia também pela UFF (2013), e graduação em Cinema e Audiovisual pela Universidade Estácio de Sá (2007). Tem experiência na área de Comunicação e Artes, com ênfase em Novas Tecnologias, Estética e Filosofia. Dirigiu o curta metragem Lacerda: O Corvo da Guanabara, sobre a trajetória polêmica e controversa de Carlos Lacerda, o “derrubador de presidentes”, jornalista, ex- governador do estado da Guanabara e líder radical da UDN. Também, dirigiu o curta de ficção “Não Chuta Que É Macumba” (2015).